Em um "Ponto de Vista" anterior, o assunto foi as "loucuras" que fizemos nos anos 70. Por conta da inspiração e lembranças que este título me trouxe, já escrevinhei algumas histórias sobre as maluquices de outrora.

 

A PONTE PÊNSIL



Mas nem todas loucuras eram apenas altas velocidades. Certa vez, ao voltar da faculdade e de uma passada no Bebum bar com colegas, tarde da noite, encontrei a Ponte Pênsil interditada. Eu havia esquecido que estavam trocando o madeirame durante a madrugada. Ficava um buraco de uns três metros entre o novo e o velho piso da ponte. Era um vão livre com vista das águas do Mar Pequeno lá embaixo.

E agora? Ainda não havia a ponte que hoje liga Santos e São Vicente ao continente pela Praia Grande. Eu teria de fazer um contorno enorme pela rodovia Pedro Taques sozinho numa fria madrugada de primavera. Eu tinha alguma amizade com o pessoal da Policia Rodoviária que dava plantão no posto da Ponte. Costumava deixar os capacetes com eles para rodar na cidade porque de Praia Grande a São Vicente havia um pequeno trecho que era considerado rodovia, e ali era obrigatório capacete.

Entrei a pé na ponte e fui examinar o terreno. Conversei com o pessoal que estava trocando o madeirame e perguntei se não daria para fazer uma ponte colocando umas duas vigas de madeira ao comprido para que eu passasse com a moto. Acho que os camaradas disseram que sim na gozação ou então para ver o espetáculo de uma RD e seu piloto caindo no mar.

Eu sentia que a coisa era perigosa, mas confiava na minha habilidade com a moto. Falei com os policiais sobre a solução encontrada e eles me permitiram fazer a tentativa.

Quando voltei para falar com a turma da madeira eles já estavam colocando as tábuas ao comprido. Temi que elas se abrissem ao passar da moto e pedi para unirem as duas pranchas com pregos. Testei a passagem com o meu peso e senti as tábuas vergarem...  Será que agüenta a moto? Perguntei. Acho que o pessoal queria ver tragédia. Garantiram-me que as tábuas agüentariam bem.

Lá vou eu. Coloco a roda dianteira da motocicleta na prancha e olho para o mar lá embaixo. Deu um frio na barriga que eu quase desisti da operação. Eram somente três poucos metros de equilíbrio, uma aceleradinha, um ou dois segundos e pronto. Eu pensava tentando me convencer.

Fechei os olhos e me concentrei. Não olhei mais para baixo. Respirei fundo, engatei primeira e acelerei forte, mas com cuidado. Não tinha espaço para os pés. Eram apenas de uns dois palmos a largura da prancha. Não havia possibilidade de corrigir um erro. As tábuas vergaram, estalaram... Mas resistiram e eu me vi do outro lado sendo aplaudido como um herói pelos trabalhadores da ponte.  Foi um feito e tanto, tendo como testemunhas apenas os policiais e os trabalhadores.

Com o coração saltitando de adrenalina e orgulho, me despedi do pessoal agradecendo o favor e encarei, feliz da vida, os quatro quilômetros de estrada na madrugada deserta com o silêncio sendo rompido apenas pelo gostoso som dos escapamentos da RD até chegar em casa.

Luiz Almeida
Fortaleza-Ce

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