Estória sem fim...
Esta estória é uma tragicomédia...
A primeira moto que possuí, foi uma Norton ES2 500cc de 1950.
Com ela aprendi a andar e desfrutar de alguns momentos mágicos.
Não pude ter moto, naquele período da adolescência em que as habilidades vão surgindo e como por mágica incorpora-se ao nosso "DNA".
Esta moto veio parar em minhas mãos por motivos que não cabem aqui, pois são outros fatos que merecem um relato oportuno. Mas basta saber que eu estava então com 30 anos.
Voltando aos primórdios adolescência, lembro vivamente de estar em Ubatuba e no meio do "burburinho" da avenida, ver um grupo de Fours, abrindo caminho entre os pedestres. Aquele grupo e as motos me impressionaram. Era 1983, e tinha eu então 14 anos.
Voltando a Norton. Nunca tive colega ou amigo que emprestasse moto. E também por respeito não insistia. Mas lembro de ter deixado alguns amigos mais afoitos, experimentarem conduzir a mesma. Era interessante ver a dificuldade em pilotarem a Norton, pelos pedais invertidos.
Acabei por motivos tão estranhos quanto fascinantes, e que também não cabem aqui, comprando uma CB500K de 1973. A moto não estava original, possuía tanque da 750, freios duplos, rodas de liga, banco diferenciado e ainda uma suspensão mais alta na traseira. Mas acredite, o visual me agradava e muito. (galeria de ouro, junho de 2001/13-JHF)
Era o início deste período das clássicas e o mercado ainda mais incerto.
Com dificuldades conseguia fazer a manutenção da moto. Precisava de peças e era frustrante comprar as mesmas. Quando localizava a peça, acontecia então a seguinte situação: ligava para o lojista, confirmava a peça e preço. Viajava então a São Paulo e chegando ao balcão da loja, o vendedor aumentava o preço. Indignado, saía buscando alternativas pelas redondezas. E depois de muito buscar, nem sempre encontrava e voltava vencido a mesma loja, e o vendedor com um sorriso diabólico, pedia um pouco mais ainda... Não é difícil imaginar que a moto ficou parada.
Então a vida seguia seu curso e atribulado com outras coisas, fui deixando pra escanteio minha aventura motociclística.
A Norton ganhou uma trinca no quadro e precisava da placa de veículo de coleção, pois não tinha muitas facilidades com os agentes do trânsito. A Honda de peças...
Eis que nas minhas peregrinações pela cidade, e assíduo leitor deste site, vim a conhecer um famoso restaurador em São Paulo.
Pude então voltar a sonhar novamente.
Levei a Honda na recém inaugurada oficina.
Lá pude sentir na pele que as mudanças estéticas da moto eram consideradas como heresia. E pude ver motos belíssimas restauradas.
Com receio do orçamento e preocupado em concretizar os pagamentos. Avisei que não era nenhum "nababo", empresário colecionador ou com carteira recheada...
A reforma deu início, e pouco tempo depois tive o prazer de vê-la com todos os "pepinos herdados" de donos anteriores, resolvidos. Foi refeita a parte elétrica, e o restauro dos carburadores. Saiu o disco de freio extra, a suspensão mais alta, e então um impasse! O tanque estava sujo e fui convencido a colocar o modelo correto. Meio a contragosto e empolgado com a moto, assim o fiz. Peguei a moto e a recomendação de andar 500 km e voltar pra ajustes. Mas uma surpresa! De alguma forma foi perdido um dos retrovisores da moto... Então me cederam um outro qualquer e eu olhava e não reconhecia a moto. Já estava surpreso com o tanque correto, com uma pintura em tom diferente e com um desenho de um lobo que me incomodava.
A moto estava muito diferente do que a conhecia, mas estava funcionando sem problemas e isto compensava o visual...
Empolgado com a possibilidade de curtir a moto, acabei comprando um par de retrovisores originais. Pensava comigo, com o tempo vou acertando o visual, afinal a mecânica esta ok!
No dia que fui buscar a moto, após muita insistência de um amigo e do pessoal da oficina, contrariado, dei uma volta pelo bairro. Não tinha levado capacete e não reconhecia mais a moto, era muito diferente visualmente e o comportamento dela também. E ainda me faltava à habilidade nos comandos, pois estava acostumado com a Norton, com seus pedais invertidos e muito torque do seu monocilíndrico. Não foi uma volta feliz. Acostumado à tranqüilidade dos espaços vazios no interior e pegando um trânsito da hora do "rush"...
Pois bem...
Tive a graça de poder enfim andar com ela, e foram 500 km muito bem curtidos. Saía com outro amigo que possuía uma CB450 e comparávamos os modelos. Minha habilidade obviamente aumentou com a moto.
Bom, chegou à hora de voltar pra pequenos ajustes. Um pequeno engasgo da passagem da lenta pra alta, uma trepidação da roda dianteira... Nada de muito sério!
A vida possui reviravoltas e então neste período precisei dispor da moto. Coloquei a venda!
Passou dois meses e não recebia ofertas. Fui a São Paulo e pra meu espanto a moto estava deteriorando no tempo. Os pequenos ajustes não tinham sido feitos. A explicação era que o pessoal interessado, ia ver a moto e quando olhava a pintura do tanque, achava que a moto era de algum "maloqueiro" e considerava a moto assim também...
Resolvi então colocar o tanque antigo, levei para Curitiba pra limparem e tratarem o interior do mesmo, e pra despacharem para São Paulo.
Vale lembrar que a primeira entrada na oficina foi na primeira semana de abril de 2004, retirei na ultima semana de julho de 2004 e levei para a revisão dos 500 km na última semana de agosto.
Era meio de novembro e com o tanque antigo já na oficina, o famoso restaurador avisou que mais um mês e poderia buscar a moto.
Imaginava que com o tempo, poderia dispor de mais dinheiro e assim pintar o tanque original e então dar uma opção de visual pra moto. Da forma que eu apreciava ou com a opção de deixá-la toda original. E enquanto isto iria curtindo e utilizando.
Sonho meu...
Ligava semanalmente pra São Paulo, fazia um acompanhamento e monitorava a data de entrega.
Quando fui buscar a moto, conforme o tratado pelo telefone. E pra meu completo espanto, a moto estava nas mesmas condições, e pior, pois ficou semanalmente sob sol e chuva. E pra meu segundo espanto, o famoso restaurador, mantendo a filosofia de originalidade, mandou pintar as laterais e tanque da moto, em outro famoso pintor de São Paulo. Fiquei sabendo então que a moto tinha ganho a cor verde... Apesar de ser vermelha e ter documentos nesta cor... Quanta felicidade! Resfolegava de animação... E imaginava os gastos não previstos. Mudar o registro da moto, pagar o famoso pintor...
Então em uma animada conversa na oficina, além da minha insatisfação e desânimo pela situação. Lembrei dos pequenos ajustes e que agora com a pintura nova precisaria também no mínimo pintar o motor, pois estava manchado.
O prazo então se dilatou pra fevereiro, primeira semana, época do carnaval.
Contas todas pagas, esperando pela moto.
Eis que surge mais um elemento improvável da estória.
O famoso restaurador, aparentemente faz sociedade com um estrangeiro.
Na intenção de colocar ordem e resolver pendências que começavam a acumular na famosa oficina, o sujeito faz uma lista de espera.
Descubro constrangido que ganhei a vigésima sexta colocação na malfadada lista.
Prazo de entrega: 23 de julho de 2005!!!
Uma semana depois, vou a São Paulo e ali mais surpresa!
Vigésimo oitavo na lista!
Data de entrega o mesmo.
Desapontado e muito frustrado, vejo que a moto apenas vai deteriorando.
Sol e chuva...
Esqueci: na época que acreditava que a moto seria entregue no carnaval, comprei diversas peças cromadas para poder substituir, pois pensava de forma otimista: "Pintura nova, motor pintado e cromos novos!".
A contragosto fui me conformando com a data de julho. Afinal, realmente a oficina estava cheia e sempre pude ver ótimos serviços, realizados com muita competência.
Acreditei tanto que ainda levei a Norton para lá.
Esperava colocar ela na fila e pela experiência dos prazos já encaixar na famosa "lista".
Admirava o trabalho realizado ali e esperava ter a mesma chance de outros fregueses.
Mesmo com todas as dificuldades, nunca deixei de cumprir minha parte, providenciando o dinheiro necessário pra cada etapa prevista ou mesmo imprevista: (pintura...).
Sempre que podia visitava a oficina, mesmo com a data de 23 de julho de 2005 na cabeça.
Em junho fui mais vezes e esperava o início dos trabalhos.
Acompanhava por telefone e aparentemente os trabalhos estavam sendo feitos.
Dia 23 de julho de 2005!
A moto se encontra na mesma situação.
Pelo tempo, muitos pontos de ferrugem, lamentável.
Atrasariam poucas semanas, mas que estava tudo certo e que seria entregue logo.
Então as circunstâncias da vida novamente me levam a precisar dispor das motos. Meu pai precisava de uma cirurgia para tratar de um câncer e os médicos criam uma expectativa aterradora!
Entrei em desespero pra poder viabilizar estes cuidados médicos.
Liguei agoniado pro famoso restaurador e pedi que interferisse, que pudesse arrumar algum comprador pras motos. Nada fazia sentido.
Era o que eu poderia fazer.
Então fui cuidar dos fatos da vida e na expectativa de que tudo transcorresse da melhor forma possível.
Em conversas telefônicas, fui informado que teria um possível comprador pra Norton. Refleti: _Não seria mais fácil achar um comprador pra Honda?_
Bom, não tive comprador. Pois não tinha o que mostrar...
Pude enfrentar e contornar o problema de saúde de meu pai, graças a Deus!
Fui buscar a Norton. Tinha um conhecido que sempre a desejou.
Olhei a Honda e vi progressos nela. Estava completamente desmontada.
Menos mal! Pois estamos em final de setembro!
A vida familiar foi se acomodando novamente. Meu pai estava curado! As finanças comprometidas, mas ele estava bem...
Então novamente fui questionar o andamento dos reparos na moto.
Como eu já sabia, detalhes vão aparecendo. Então com tudo já acertado, peças necessárias trocadas. Fico na expectativa pela montagem da moto.
Novamente ligo, acompanho, questiono...
A moto vai ficar pronta! Não falta nada! Todas as peças, todos os serviços feito fora prontos!
Bom, oficina cheia... Não vai ficar pronta pro feriado.
- Quando?
- Quarta-feira esta pronta!
- Então até quarta!
...
.....
Entro no estacionamento por perto, levo tirantes, corda... Mais uma vez vou buscá-la!
Poucos metros da oficina, meu coração diz que não terei motivo de alegria.
Entro, procuro a moto com os olhos. Não a vejo! Quem sabe?
Então lááááá atrás, no meio de tantas outras. Vejo o quadro como o vi meses antes. Desmontado.
...
.....
Eu e o famoso restaurador, uma conversa difícil.
Com olhos marejados vou embora.
Que opções tenho? Vender peças, pegar desmontada...
Criar uma cena? Não é do meu feitio! E no mais, seria muito conveniente, pois assim livram-se de ter qualquer trabalho.
E sinceramente, sou admirador do trabalho deste pessoal.
Volto com o coração pequeno. Pensando, refletindo.
Creio que isto para algumas pessoas deve ser "prejuízo controlado". Afinal, pra que atrasar outro trabalho? O estrago já esta feito. Assim fica-se somente com um cliente saturado e irritado e não com dois...
É isto.
Armando Marcondes Godoy
Pindamonhangaba - São Paulo