Passeio no Litoral Oeste do Ceará

 

Programamos um passeio na região do município de Itapipoca, Ceará. O rumo era a Praia da Baleia, de difícil acesso na época. Estávamos em 1986 e minha moto era a velha e boa companheira XL 250R vermelha ano 83.

Éramos o Franz Georg, o Hilton, o saudoso Eduardo Amaral e eu. O Hilton de DT 180 e os demais com XL 250R.

Na sexta feira, depois do trabalho, combinamos de nos encontrar na Estação Ferroviária para embarcarmos as motos destino à Itapipoca. Nós fomos no mesmo trem, só que no vagão restaurante.

Foi difícil convencer um fiscal ferroviário a deixar que as motocicletas viajassem com os tanques cheios. Enfim, depois de muita conversa conseguimos a permissão e embarcamos cuidadosamente nossas máquinas. 

A viagem de trem foi interessante, aquele sacolejar típico, e nós tomando cerveja e jogando pôquer de dadinhos no vagão restaurante. Nós chamamos muito a atenção dos demais passageiros por já estarmos paramentados com as coloridas roupas e botas de trilhas.

O chato da cerveja é a ida constante ao banheiro, mas nada atrapalhava o passeio. Numa dessa idas ao banheiro, encontro o Eduardo encostado numa porta e agarrado com uma garota no maior embalo, aproveitando o balanço do trem. Eita camarada, tá arrumado! disse eu. Ele respondeu que só não estava melhor porque o namorado da menina estava passando por ali toda hora dando pancadinhas no ombro dele, dizendo que a garota era sua namorada e reclamando que ela não voltava para o lugar. Cabra paciente este namorado.

Ao chegarmos em Itapipoca, 160 km depois, o vagão de carga ficou muito mais alto do que a plataforma de desembarque e ficou difícil descer as motos. Para isso, contamos com a prestativa ajuda do tal namorado corno, que devia estar ansioso que nós deixássemos  logo aquele trem.

Chegamos no Hotel Municipal e havia uma seresta num dos ambientes e, logo depois de guardarmos as motocicletas e acertarmos nossos apartamentos, fomos para lá. Música boa, mulheres bonitas e disponíveis e muita cerveja. Ficamos nessa brincadeira até umas 2 das madrugada e só fomos dormir porque nos lembramos do dia seguinte, que seria puxado.

Acordamos meio ressaqueados ainda antes das oito horas. Tomamos um café da manhã leve, acertamos as contas e pé na estrada, quer dizer, motos na trilha.

Os caminhos não eram muito travados e dava para andar forte no areal que predominava na região. O município de Itapipoca caracteriza-se por ter em seu território as três características do Ceará juntas: Sertão, Serra e Praia. Não havia indicações de caminho, a gente ia num rumo e parava muito para perguntar. Nós estávamos entre a serra e a praia e a vegetação era dispersa, mas não chegava a se parecer com a caatinga do sertão. Ainda não víamos dunas, mas a areia que encontrávamos entre a vegetação era branca e fina como a das dunas.

Nesta tocada gostosa, puxando a moto para um lado, esticando a perna nas curvas, levantando areia e torcendo o cabo, íamos nos divertindo e por conta disso minha atenção a obstáculos diminuiu. Na saída de uma curva havia uma pedra. Havia uma pedra na saída da curva ! ... e não deu para desviar tal era minha trajetória. Bati forte com a roda dianteira na tal da pedra fora de lugar. Não cheguei a cair, mas entortou um pouco o aro da moto e o pneu esvaziou na hora. 

Tentei encher o pneu com o tyre-pando sem sucesso. Como havíamos levado espátulas, desembeicei o pneu e verifiquei que a câmara de ar estava rasgada e o material para reparo não era suficiente para tamanho estrago. E agora?  Nesta hora lembrei que havíamos esquecido trazer câmaras de reserva... Bom, havia um capinzal por perto e eu tinha minha faca de caça na bagagem... 

Cortei capim, muito capim. Dava para alimentar uma vaca. Fui socando este capim para dentro do pneu até sentir que tinha uma boa pressão. Pronto, resolvido o problema. Pneu encaixado novamente no aro e vamos embora, a praia da baleia nos espera. 

Pouco depois desta parada, encontramos uma bodega, na verdade era o “Shopping Center Zé Ferreira”, isso mesmo, estava escrito direitinho na parede caiada  do lugar, que era na verdade uma pequena mercearia, dessas que a gente encontra por esses sertões, com uma janela basculante que serve de balcão e aquele aroma característico de fumo de rolo, cachaça e rapadura. O próprio Zé Ferreira nos atende e tomamos um refrigerante acompanhado de queijo de coalho, a sede por conta da farra anterior era grande e o sol já estava alto.


Da esq. p/ dir. - Hilton, Eduardo Amaral, Franz Georg, e eu (Luiz)

Comentamos a caso do pneu com o “empresário da área de shoppings” e ele disse que conhecia também uma boa solução para pneu furado que o avô dele havia ensinado e que segundo ele, o avô,  já o tirara do prego quando era caminhoneiro e transportava farinha de mandioca para o Maranhão. A técnica era tirar a válvula do pito, fazer um funil de papel e ir colocando farinha de mandioca para dentro da câmara, girando a roda para espalhar a farinha até que tivesse bem cheio. Depois era só colocar água pelo pito que a farinha incharia e daria uma boa pressão.  Boa idéia! Disse eu. Mas será que cearense consegue fazer isto? A gente não pode ver farinha que quer logo comer! 

Depois dessa prosa boa seguimos em frente e logo estávamos na praia da baleia. Praia muito bonita, porém sem a animação que esperávamos. Nossa idéia era pernoitar ali, numa pousada em que até já havíamos deixado nossa tralha,  mas era cedo e depois de passearmos pela região, encontrando apenas alguns casais com bugres, achamos por bem começar nosso retorno, que seria todo ele pela beira da praia. 

Combinamos manter o farol alto aceso e que se houvesse uma pessoa sequer na praia, de reduzir bastante a velocidade, afinal, nós é que estávamos invadindo aquelas areias brancas. 

Com a maré baixa nós aceleramos forte pela areia dura que fica após a água baixar, mas para não cair na monotonia, de vez em quando a gente se afastava do molhado e ia para onde a areia era mais frouxa e acidentada, então de pé na moto, dávamos muitos saltos nas ondulações da areia.

Tínhamos a preocupação de encontrar logo uma saída para abastecimento. Depois de um bom tempo tivemos que sair da orla do mar por causa do Rio Paraipaba, que não dava para atravessar. Deu certo porque nesta volta encontramos um posto e enchemos os tanques. Durante este contorno, que fizemos já à noite, paramos numa festa na beira da estrada e aproveitamos para descansar um pouco dançando forró com as meninas que, curiosas com estes estranhos com roupas mais estranhas ainda, sempre aceitavam ser nosso par. Problema para os rapazes do lugar...

Chegamos na bela Praia da Lagoinha para pernoitar. As modestas pousadas do lugar já estavam lotadas. Se optássemos por continuar à noite, perderíamos o visual da viagem, portanto decidimos dormir por ali mesmo, nem que fosse ao relento. Por sorte encontramos uma casa fechada com uma boa varanda. Demos um jeito de abrir o portão, colocamos as motos para dentro e nos acomodamos no chão da varanda para dormir.  Mochilas como travesseiro e o duro chão como colchão. Como o dia foi muito proveitoso e cansativo, logo dormimos, ao som das ondas que quebravam na praia próxima.

Acordamos bem cedo no domingo, a claridade e a falta de conforto não deram trégua.  Ainda tínhamos muita praia para rodar. Em pouco tempo já estávamos com as motos na areia. Passamos por belas praias desertas, falésias de onde brotavam fontes de água cristalina, muitos coqueirais e riachos. Em alguns riachos nós conseguíamos atravessar com as motos.  Na travessia do Rio Mundaú utilizamos uma balsa movida a remo. Em um manguezal, tivemos que fazer o contorno por um charco com lama pesada, cheio de marcas de cascos de boi.

A DT do Hilton dava mais trabalho nas travessias,  por ter a tomada de ar mais baixa, bebendo água em lugares mais profundos. Nada que não se resolvesse levantando e frente da moto para escorrer a água do escapamento e dando umas bombadas na partida sem a vela, tirando assim a água do motor. Aconteceu isto na passagem da Barra do Rio Cauípe. O rio estava largo, havia correnteza e até as XL sofreram para passar, engasgaram, tossiram, mas, valentes, conseguiram chegar à outra margem.

Depois desta travessia, do outro lado do rio, encontramos uma grande turma de trilheiros indo em direção contrária a nossa. Paramos para conversar um pouco, todos eram velhos conhecidos. Entre eles estava o Rui Jackson, um dos fundadores do Esquadrão do Asfalto, em seus bons tempos de trilheiro.

Despedimo-nos da turma e prosseguimos pelas praias, já estávamos perto do Cumbuco, onde o restante da nossa turma nos esperava para um churrasco numa bela casa de praia, com piscina, cascata e tudo o mais. 

Neste passeio, passamos pelas praias da Baleia, Mundaú, Genibaú, Flexeiras, Lagoinha, Paracurú, Pecém, Taíba, Cumbuco, dentre outras, todas no litoral oeste do Ceará.  Finalmente chegamos para matar a sede com cerveja geladíssima e tirar as botas que estavam encharcadas e cheias de areia. Nossos pés estavam brancos e engelhados, mas tinha valido a pena. Era 3 horas e a tarde de domingo seria só festa. O cansaço estava esquecido e só ficaram as belas imagens do verde mar, das dunas, das jangadas e os coqueirais.

Passe este espeto para cá menino! Cadê a cerveja? Não está vendo que cearense tem medo de morrer de sede!

Luiz Almeida

P.S. Dias depois, fui ao  borracheiro para colocar uma câmara de ar nova. Apenas cheguei, entreguei a câmara e pedi que trocasse. Ao se deparar com o capinzal dentro do pneu, o amigo borracheiro teve uma violenta crise de riso e só conseguiu começar a fazer o serviço meia hora depois. Mesmo assim parando muitas vezes para tornar a rir.