Ricardo Vieira Guimarães

"Um Sonho de 50 Cilindradas"

 

O ano é 1972. Estamos próximos do Natal. É fim de tarde de um dia chuvoso, estou apreensivo, olhando pela janela da sala. esperando um certo presente chegar. Tinha recém completado 14 anos. De repente, uma caminhonete estaciona em frente da casa, no bairro do Jardim Prudência, zona sul de São Paulo. Saio correndo para abrir o portão e ver bem de perto aquela preciosidade que está amarrada sobre a caçamba da caminhonete.

Após 2 anos de muito "171" no ouvido do meu pai, eu consegui convencê-lo. Eu acabava de ganhar uma Suzuki 50 cc (made in Japan), zero Km !

Obs. - Com quem vocês acham que eu dormi naquela noite ??

Em 1973, só passeios com a motinho, voltinhas pelos bairros da região, bailinhos, muitas minas à fim, e a Suzukinha continuava original ... (mas eu já fazia as minhas gracinhas !)

Começo de 1974, e eu já arriscava ir mais longe. Conheci uma moçada esperta do Campo Belo e Moema, e numa bela tarde fui apresentado ao ilustre Edson Luiz Silva (Tchek-Tché). Ele estava preparando sua Honda 50 cc para correr na Taça Centauro. Eu começava a gostar da idéia !!! Fui à Interlagos assistir a corrida dele. Quando saí de lá, tinha uma certeza ... a minha pacífica cinquentinha ia se despedir das ruas !!!

A moto ganhou número ...

Primeiras corridas em Interlagos. Placa do número feita em madeira (porém nos padrões oficiais), carenagem ... (quem sou eu ? preciso gastar em outros itens), aquele guidãozinho tomazelli ... (acho que foi até emprestado), um tapinha no motor e o resto vai do jeito que está ... mas pelo menos o macacão eu mandei fazer no Edmundo lá na Moóca ... (tenho guardado até hoje) !

Primeiras corridas em Interlagos !

Ah ! Fato interessante: Na minha primeira volta no imenso e belo circuito de Interlagos (eram aproximadamente 8.000 metros), eu quase me perdi !!! Não conhecia o traçado, as cinquentinhas eram lentas e achei que os boxes estavam demorando muito pra chegar (... será que eu peguei uma variante errada ?? ...), e eu estava quase voltando para trás ... (foi estranho, mas no mínimo engraçado) !!

Após duas ou três corridas, com a moto praticamente original, eu percebi que teria que fazer algumas mudanças drásticas no equipamento para pensar em andar com o pelotão da frente !

De novo o meu "Pai-trocínio" funcionaria ...

É gostoso quando você aos 15 anos de idade, tem todo o apoio da sua família, de seus pais. Meu pai saía cedo comigo para os domingos de corrida, participava e gostava de estar presente. Minha mãe fazia questão de ficar nos boxes, dando aquela última apertada na fivela do capacete e desejar boa sorte, antes de eu entrar na pista ... (isto não dá para esquecer) !

Nessa ocasião eu daria então um grande passo. Meu pai conversou e acertou uma preparação completa na minha moto com o grande mestre das Suzukis, o Diego Escalona, da antiga Moto-Spa, que ficava na Radial Leste, em São Paulo. O Paulo Sérgio Castroviejo já tinha uma Suzuki 50 cc preparada pelo Diego, e que era um foguete ...

Foi uma honra ter a minha moto pintada com as cores da equipe Suzuki - Moto Spa, e fazer parte de uma equipe, que tinha como principal piloto um dos maiores campeões que o nosso motociclismo iria conhecer, o Paulo Sérgio Castroviejo, ou Paulinho, como era chamado carinhosamente pelos amigos. Era uma pessoa humilde, prestativo e de grande caráter. Ele me deu grandes dicas de pilotagem.

Eis uma foto minutos antes de uma largada em Interlagos, classe 50 cc, onde podemos ver alguns futuros grandes campeões ...

Emilio (nº 15), Ricardo (nº 85), Scaloppi (nº 28), Penha (nº 90), Tchek-Tché (nº 33), Olímpio (nº 91), Ponzio (nº 22), Gruckovic (nº 18) e Castroviejo (nº 61).

Minha moto não era um puro sangue (uma 50 cc especial de competição), não tinha kit de motor nem quadro de corrida, era uma moto de rua adaptada. Alguns amigos me aconselhavam a trazer para o Brasil alguma moto verdadeiramente fabricada para competição, como uma Minarelli ou Morbidelli 50 cc, mesmo que estivesse usada, em algum país próximo, como o Uruguai ou Argentina, teria que procurar ... mas na época não tinha condições financeiras para tal investimento ! Foi uma pena ...

De qualquer forma, me considero satisfeito por ter conseguido obter resultados e algumas boas colocações entre os principais pilotos daquela época na categoria, com destaque para Paulo Sérgio Castroviejo, Denison Vieira Peres, José Penha Moreira, José Marcelo Scaloppi da Silveira, Edson Luiz Silva "Tchek-Tché", entre outros.

Curva do S em Interlagos: Castroviejo (1), Penha (90), Tchek-Tché (6), Ricardo (2) e Panadés (22)

E num belo dia ... a tão esperada façanha ... andei na ponta !!! (triste é que durou só uma volta) ... e foi assim:

Interlagos, 24/05/1975, Prova Incentivo Folha da Tarde - Centauro Motor Clube, largando em último (minha moto não pegou na largada ...), consegui uma excelente recuperação, passando vários pilotos (a moto andava demais) ! Logo encostei no Castroviejo, que havia liderado as duas primeiras voltas e o passei na curva 1, liderando então a terceira volta, pela primeira vez na minha vida ... algo inesquecível ... ninguém na minha frente ..., só feras atrás. A moto falando alto, concentração e calma, eram tudo o que eu precisava para vencer.

Obs. - Eu me lembro do amigo Castroviejo me olhando "incrédulo", no momento em que eu fazia a ultrapassagem por fora na curva 1 !

Mas o inesperado iria acontecer. A quebra de uma peça que prende a curva de exaustão faz o motor perder a compressão e o rendimento da motocicleta cai acentuadamente. Procuro permanecer na competição, pois havia conseguido uma boa vantagem sobre os demais, e termino em terceiro lugar, sendo ultrapassado pelo Castroviejo e pelo Penha de Araraquara.

Quero fazer um agradecimento especial para uma pessoa que com muita dedicação e grande conhecimento de motocicletas de competição, me possibilitou andar em primeiro nesta prova, acertando a minha moto e preparando o meu motor de forma espetacular (conseguiu tirar todos os cavalos possíveis daquele modesto motorzinho ...) me proporcionando essa grande chance.

O considero meu maior incentivador, Jacinto Sarachú, Uruguaio, campeão de motos em seu país, homem simples e fraterno. O conheci logo após sua chegada ao Brasil e todos sabem que grandes obras ele fez posteriormente para o nosso  motociclismo. Um amigo que acreditou no meu potencial.

Fiz alguma corridas pela Equipe Moto Corsa, montada pelo Sarachú, aonde foi sua primeira oficina de motos em São Paulo, na rua Costa Carvalho, bairro de Pinheiros.

Obtive outros bons resultados em alguma provas do Campeonato Paulista e principalmente do Campeonato Brasileiro.

Em 03/08/1975 estava no Paraná, para disputar a primeira etapa do Brasileiro, no temido Autódromo de Cascavel, fazendo uma corrida na ponta dos dedos e sem cometer erros, finalizei na terceira posição atrás dos poderosos Denison e Castroviejo. Comecei bem o campeonato !!!

Vejam os grandes nomes que constam na lista geral de classificação após o término da etapa:

Fui à segunda etapa do Brasileiro, em Goiânia, 07/08/1975. Um autódromo novo e moderno na época. Não conseguimos acertar a carburação da moto, e tive que amargar uma péssima colocação no final da prova. Valeu a experiência ...

Para a terceira etapa do Campeonato Brasileiro, seguimos desta vez para o sul, autódromo de Tarumã, 05/10/1975. Eu alimentava muita vontade de correr neste circuito pela sua fama e tradição. Foi um bom fim de semana ! Voltei de lá com um belo resultado (quarto lugar), com os grandes favoritos nas três primeiras colocações (Denison, Castroviejo e Penha, nesta ordem).

Vale lembrar dois fatos: O Penha (de Araraquara - SP) corria com uma "infernal" Mondial 50 cc ... andava muito aquela "italianinha", tanto nas provas do Brasileiro como do Paulista. Era difícil vencê-lo ... Outro fato que me marcou, foi o quinto lugar da prova ter sido o também jovem Cláudio Girotto ... que se tornaria outra estrela do nosso motociclismo.

O ano de 1976 se mostrava promissor para os meus anseios no motociclismo. Na primeira etapa da Taça Centauro, cheguei em quinto. Teria que investir em uma motocicleta altamente competitiva e me dedicar plenamente ao esporte. Estavam também surgindo para as pistas as competentes Yamaha RD 50 e também outras opções de "ferozes maquininhas". Eu tinha então 17 anos e um grande problema para resolver ...

Frente à uma condição financeira desfavorável e um consenso de toda a família para que eu seguisse nos estudos rumo à uma faculdade, acabei cedendo à pressão.

Abandonei as corridas de moto em março de 1976. São aquelas fortes decisões que você tem que tomar na sua vida. Me tornei Engenheiro Mecânico, casei e tenho três filhos. Hoje estou com 45 anos.

Esta não é a história de um grande campeão, mas alguém que sonhou em sê-lo. Agradeço à Deus pela oportunidade de ter estado entre pessoa tão iluminadas e ter sentido toda aquela emoção ! Valeu por cada segundo acelerado, neste curto espaço de tempo entre os anos 1974 e 1976.

A vitória ... fica para uma outra vez ... Os tempos se vão, mas o sonho nunca acaba ! Talvez possamos ressurgir em uma nova geração para concluir algo inacabado !!!

Em Tempo: O meu filho IAGO de 10 anos, não pára de falar em corridas ...

... Até a próxima !!

Ricardo Vieira Guimarães
Junho / 2004

rvguimaraes@ig.com.br